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05 setembro 2020

Sobre os faráos.

SEREKH DE WADJSendo o faraó um deus Hórus vivo sobre a terra, desde o surgimento das primeiras fontes escritas que se aplica justamente esse nome ao rei — Hórus. Como o nome da divindade era derivada da palavra Hor, que significa falcão, o termo equipara o rei a um deus original do céu, o deus falcão, o qual outrora navegava na barca solar sobre a abóbada celeste. A ligação da divindade com o soberano é atestada desde o princípio da história egípcia. A forma sob a qual é representada essa estreita conexão é bem característica. Ela se expressa sobretudo no chamadonome de Hórus do rei.
Até a III dinastia (c. 2649 a 2575 a.C.), o nome principal do rei — nome de Hórus — era escrito em um quadro retangular chamado de serekh, como esse que se vê ao lado pertencente ao faraó Wadj, o rei serpente, da I dinastia (c. 2920 a 2770 a.C.). A parte inferior do quadro continha um desenho em forma de fachada de palácio. Na parte superior vinha o nome do rei e o conjunto era encimado pela figura de um falcão — o deus Hórus. Assim o rei tornava-se o substituto terrestre dessa divindade do universo e poderíamos denominá-lo de Hórus do palácio. No caso de Peribsen, da II dinastia (c. 2770 a 2649 a.C.), o animal de Seth substituia o falcão, enquanto que oserekh de Khasekhem era encimado tanto pelo falcão quanto pelo animal de Seth.

HIERO REI DO ALTO E DO BAIXO EGITO
Rei do Alto e
do Baixo Egito
HIERO DUAS DAMAS
As Duas Damas
A partir do Império Antigo, ou seja, da IV dinastia (c. 2575 a 2465 a.C.), o faraó possuia normalmente cinco nomes:
  • o nome de Hórus;
  • o nome das Duas Damas;
  • o nome de Hórus Dourado (de origem incerta);
  • o prenome (precedido pelo título de Rei do Alto e do Baixo Egito) e
  • o nome (precedido pelo título de Filho de Rá).
HIERO FILHO DE RÁFilho de Rá
O nome de Hórus, que nos tempos primitivos era o mais importante de todos, foi perdendo importância com o passar dos séculos.
HIERO HÓRUS
Hórus:
HIERO TOURO PODEROSO
touro poderoso, perfeito de
aparições gloriosas;
HIERO DUAS DAMAS
As Duas Damas:
HIERO A REALEZA
a realeza permanece como a de Aton
(o deus-Sol na idade avançada);
HIERO HÓRUS DOURADO
Hórus
Dourado:
HIERO BRAÇO FORTE
de braço forte, opressor dos Nove Arcos
(inimigos tradicionais);
HIERO REI DO ALTO E DO BAIXO EGITO
Rei do Alto
e do Baixo Egito:
HIERO MENKHEPRURE
Menkheprure
(Rá é duradouro
nas suas manifestações);
HIERO FILHO DE RÁ
Filho
de Rá:
HIERO TUTMÓSIS IV
Tutmósis IV, o de aparição magnífica;
querido de Amon-Rá,
doador (ou dádiva) de vida como Rá.
Por sua vez, a titulatura completa de Ramsés II (c. 1290 a 1224 a.C.) era a seguinte: Hórus, Touro vitorioso, eleito de Maat — As Duas Damas, aquele que protege o Egito e subjuga os países estrangeiros — Hórus Dourado, rico em anos, grande em vitórias — Rei do Alto e do Baixo Egito e Senhor dos dois países, Rá é poderoso em Maat, eleito de Rá — Filho de Rá, infante de Rá (Ramsés).

HIERO O BOM DEUS
O Bom Deus
É na Bíblia que encontramos a tradução para faraó da palavra egípcia per-aâ, grafada assimHIERO PER-AÂem hieróglifos. Esse termo significa, aproximadamente, Casa Grande, e na origem era o nome que se dava ao palácio real e que foi estendido ao seu ocupante, mas isso só ocorreu no final da XVIII dinastia. Algo parecido ocorre quando dizemos Palácio do Planalto para nos referirmos ao Presidente da República. Essa palavra, entretanto, não aparece nas inscrições egípcias dos primeiros tempos e o título de faraó não se tornou jamais um elemento da titulatura oficial do rei, mas atualmente é empregada para todos os períodos da história do Egito.

Ao lado do nome de Hórus, a mais antiga dentre todas as designações reais, surgia, às vezes, um segundo nome, que também podia ser usado de forma independente. Tal nome era introduzido por um ou por ambos os títulos abaixo, sendo que o segundo deles refere-se às deusas Nekhbet (abutre), protetora do Alto Egito, e Wadjit (serpente), protetora do Baixo Egito e remonta à época proto-histórica.
Com o nome das Duas Damas o rei incorporava em si mesmo as duas deusas das duas partes do país.
As palavras Hórus Dourado, formadas pela justaposição dos sinais hieroglíficos do falcão e do ouro, parecem traduzir uma antiga identificação do falcão Hórus com o sol, simbolizado pelo ouro.
O prenome era recebido por ocasião da coroação e era por ele que o faraó era mais comumente chamado em sua época. Os reis cujo nome próprio não continha a palavra Rá, adotaram, a partir da V dinastia (c. 2465 a 2323 a.C.), um nome de trono ou nome de Rá. Esse nome vinha precedido do título de Rei do Alto e do Baixo Egito, literalmente Aquele que pertence ao junco e à abelha, uma clara indicação da pretensão do monarca de reinar sobre as duas metades do país. Com frequência seguia-se a esse um outro título que expressava a mesma idéia: Senhor das Duas Terras.
O nome, precedido pelo título de Filho de Rá, foi usado pela primeira vez por reis da V dinastia que eram especialmente devotados ao culto de Rá, o deus solar, título que carregavam na qualidade de representantes da antiga cidade do Sol, Heliópolis e é, geralmente, o nome pessoal que o rei levava desde seu nascimento.
Prenome (nome de trono) e nome (nome de nascimento) eram normalmente incluídos dentro de ovais chamados de cartuchos, que representavam laços de corda com as extremidades atadas. Envolvendo seu nome dessa maneira, o faraó provavelmente desejava comunicar pictóricamente que ele era o governante de tudo o que fosse circundado pelo Sol.
Frequentemente eram acrescentados desejos piedosos ao nome ou título do rei, como, por exemplo, que viva muitos anos, próspero e com boa saúde.
Como exemplo, veja abaixo o conjunto completo de títulos do faraó Tutmósis IV (c. 1401 a 1391 a.C.), da XVIII dinastia (c. 1550 a 1307 a.C.):

Do final da XVIII dinastia em diante epítetos adicionais foram regularmente introduzidos nos cartuchos. Nas épocas nas quais o direito ao trono de todo o Egito era disputado, os faraós às vezes evitavam o título de Rei do Alto e do Baixo Egito e usavam o título de O Bom Deus.


Os nomes dentro de cartuchos que aparecem neste site são aqueles pelos quais os faraós são normalmente identificados. Como muitas vezes a pronúncia dos nomes é desconhecida, convencionou-se usar, nesses casos, as formas gregas retiradas da história de Manetho (século III a.C.).

FACHADA DO TEMPLO DE ABU SIMBEL

Nada ilustra tanto o poderio dos faraós quanto o grande templo de Ramsés II (c. 1290 a 1224 a.C.) em Abu Simbel, do qual vemos, na foto ao lado, um detalhe da fachada. Entretanto, no antigo Egito a lei de sucessão era matriarcal, o que significa que a herança se transmitia pela linha feminina. A filha mais velha do faraó era a herdeira legítima do reino. Os soberanos, entretanto, escolhiam, na medida do possível, um herdeiro macho, geralmente um de seus filhos e, na maior parte dos casos, esse príncipe esposava a herdeira de maneira a legitimar seu direito ao trono. Assim sendo, o casamento entre irmãos era a forma de união mais frequente na família real. Os faraós podiam ter quantas esposas desejassem, mas uma só, geralmente a herdeira, era a grande rainha.
Já que o faraó era um deus, ficava claro que grande parte de seu poderio advinha de sua comunhão com os demais deuses. Ao lado, por exemplo, vemos uma imagem que apresenta Ramsés III (c. 1194 a 1163 a.C.) sendo enlaçado pela deusa Ísis, o que demonstra igualdade entre ambos. Portanto, as soluções dos grandes problemas nacionais passavam, inevitavelmente, pelos aconselhamentos e determinações das divindades. Mas para tanto era imprescindível que o faraó as consultasse. Para o período anterior ao Império Novo não ficaram registrados os meios pelos quais o rei consultava os deuses. Mas sabemos que durante aquele período houve alguns mecanismos consagrados para o recebimento das ordens divinas. Através do sonho, por exemplo, Tutmósis IV recebeu orientação para desenterrar a esfinge. Mas a forma mais comum consistia na consulta direta feita pelo faraó ao deus, quer estivesse este no santuário do templo ou em um santuário portátil em procissão. Em tais momentos o deus concedia a graça de manifestar sua vontade mediante um oráculo. Foi dessa maneira queAmon-Rá, instalado em seu sacrário de Karnak, ordenou a Hatshepsut (c. 1473 a 1458 a.C.) que enviasse uma expedição comercial à terra de Punt. Antes do reinado de Akhenaton (c. 1353 a 1335 a.C.) os oráculos só eram consultados em ocasiões especiais como, por exemplo, quando um novo soberano fosse assumir o poder ou quando se planejava uma expedição ao exterior. Ao término daquele reinado, a jurisprudência começou a ser influenciada por decisões emitidas por oráculos.
Como se pode ver, o poder dos faraós decaiu da suprema majestade do Império Antigo (c. 2575 a 2134 a.C.) até uma situação na qual, embora o dogma continuasse reiterando a divindade do rei, os sacerdotes conseguiram impedir o livre exercício da vontade divina.


No decorrer do Império Novo (c. 1550 a 1070 a.C.) o aumento dos contatos com o exterior fez com que surgisse um novo caráter cosmopolita da corte egípcia e, como conseqüência, foram abandonados alguns dos antigos princípios relativos à sucessão real. Por volta de 1500 a.C., um príncipe que houvesse nascido de uma rainha subalterna procurava reforçar sua legitimidade casando-se com uma princesa de estirpe real direta, o que daria validade ao seu direito ao trono. Era o caso, por exemplo, de Tutmósis III (c. 1479 a 1425 a.C.), o qual reforçou seu direito casando-se com pelo menos três princesas de legitimidade plena. Seu filho, portanto, teve sangue real e direitos incontestáveis. Já seu neto, Tutmósis IV (c. 1401 a 1391 a.C.), era filho de uma rainha secundária mas, em função da modificação dos costumes, não sentiu necessidade de reforçar sua legitimidade. Muito ao contrário, por razões políticas casou-se com a filha de um rei mitaniano, da qual nasceu Amenófis III (c. 1391 a 1353 a.C.), o qual tornou-se faraó, apesar de não ser da mais pura estirpe real. Provavelmente influenciado por sua origem, Amenófis III não se preocupou com a pureza de seu sangue real e casou-se com uma plebéia egípcia, chamada Teye, fazendo dela sua esposa principal. Era uma solene demonstração de que o faraó do Egito estava acima das normas e da censura.
Os faraós comemoravam com uma festa anual o aniversário da sua coroação. Entretanto, a cronologia dos anos do seu reinado não era estabelecida a partir de tal data, mas sim a partir do início do ano. Cada ano do reinado do faraó se iniciava no dia do Ano Novo segundo o calendário egípcio, ou seja, no primeiro dia do primeiro mês da primeira estação, denominadaAkhet, correspondente ao nosso 19 de julho. E mesmo que o faraó fosse coroado poucos dias antes do Ano Novo, o seu segundo ano de reinado teria início no primeiro dia do ano.
Trinta anos após ter sido proclamado herdeiro do trono, o faraó celebrava uma festa jubilar denominada heb-sed ou, no caso de não ter sido proclamado herdeiro do trono, a festa acontecia trinta anos após sua coroação. Ao atingir 70 anos de idade, exigia a tradição que ele associasse o herdeiro do trono ao poder.
O conceito de que o faraó era um deus na terra fundamentava a idéia de que todo o Egito era propriedade privada do rei. Nas épocas mais antigas, sem dúvida, o soberano efetuava duas vezes por ano uma viagem por todo o território para ministrar justiça e coletar impostos. Na medida em que foram sendo nomeados representantes do rei em determinadas regiões do país, aquela idéia foi se alterando. Por volta do início da III dinastia (c. 2649 a.C.) essas regiões foram ganhando autonomia administrativa, transformando-se naquilo que os gregos chamaram de nomos. Entretanto, os funcionários eram funcionários do rei e a manutenção dos seus cargos estavam sujeitos à vontade do faraó.
Como único proprietário do país, o rei tinha o direito de dispor do conjunto da população. Apenas a família real e os cortesãos, bem como os altos funcionários encarregados de missões que exigiam iniciativa própria eram, em princípio, diferenciados da grande massa do povo, a qual estava submetida a registro e convocação. Assim, a grande maioria das pessoas podia ser requisitada temporária ou permanentemente para cultivar os campos reais, para trabalhar nas construções, para participar de expedições exploratórias ou de campanhas militares. Nem por isso eram escravos. Fazendo parte da administração rural ou de uma oficina real, forneciam bens na proporção do que produziam, mas lhes era dado o suficiente para se alimentarem e aos seus familiares.
Não houve codificação de leis impessoais que pudessem ser aplicadas por magistrados com independência da Coroa. No Egito, antes do domínio persa (525 a.C.) nunca existiu um conjunto de leis de caráter impessoal como os códigos mesopotâmicos. A centralização do Estado na pessoa do faraó impedia a existência de uma legislação impessoal, pois a autoridade das leis codificadas colidiriam com a autoridade pessoal do rei. O direito, somente fundamentado nos usos e costumes do país, não estava escrito e era a palavra do faraó e sua vontade divina, dentro da sua interpretação de maat, ou seja, da verdade, e de suas funções como deus.
RAMSÉS III E ÍSIS
Gostaríamos de saber com exatidão, comenta o egiptólogo John A. Wilson, o que ocorria nosancta sanctorum quando o faraó, talvez assistido unicamente pelo Sumo Sacerdote de Amon, recebia a ordem do deus. Os textos do final do Império Novo dizem que o deus fazia um sinal visível, que consistia em um movimento de cabeça para a resposta afirmativa e a imobilidade ou um recuo para a resposta negativa. É de presumir, pois, que se fazia à estátua do deus uma pergunta para que respondesse sim ou não, ou uma série de perguntas, para que o deus pudesse dar um sinal visível de escolha. Os antigos não tinham a curiosidade agnóstica que nós temos e podiam aceitar o milagre como o meio adequado para que os deuses manifestassem sua vontade.
A partir do final do Império Novo as leis escritas e codificadas que até então eram desconhecidas começam a ganhar importância. Muito mais religiosos que o resto dos homens, como Heródoto os definiu, os egípcios apegaram-se ao formalismo e satisfeitos com os costumes herdados dos pais, não pensavam em modificá-los. Transformaram-se em autômatos, repetindo rituais solenes sem raciocinar e até sem entender porque eram praticados. Esse foi o quadro de vazio espiritual dos tempos derradeiros do antigo Egito. Essa mentalidade refletiu-se naturalmente sobre os faraós das últimas dinastias, que foram cada vez mais se tornando prisioneiros da oligarquia dominante. O historiador grego Diodoro da Sicília, baseado em textos de sacerdotes egípcios, escreveu: Em primeiro lugar, pois, a vida dos reis do Egito não era como a de outros homens que gozam de um poder autocrático e fazem em todos os assuntos o que lhes agrada, sem ter que prestar contas a ninguém; ao contrário, todos os seus atos estavam regulados por prescrições consignadas nas leis, não só relativas a seus atos administrativos, mas também aos concernentes ao modo de passar o tempo dia após dia e dos alimentos que ingeria. (...) E as horas do dia e da noite estavam regulamentadas de acordo com um plano e nas horas marcadas se requeria de forma absoluta que o rei fizesse o que as leis estipulavam e não o que ele achasse melhor. (...) Porque havia um tempo fixado não só para a celebração das suas audiências e da administração da justiça, mas também até para dar um passeio, banhar-se, dormir com sua mulher e, em uma só palavra, para todos os atos da sua vida. (...) E ao seguir os ditames dos costumes nesses assuntos, tão longe estavam de sentirem-se indignados ou ofendidos em suas almas que, pelo contrário, sustentam na realidade que levam a vida mais feliz; porque crêem que todos os outros homens, deixando-se levar negligentemente por suas paixões naturais, executam muitos atos que lhes trazem danos e perigos (...), enquanto que eles, em virtude de que cultivam um modo de viver que foi escolhido antes que todos os demais pelos mais prudentes dos homens, incorrem em poucos erros.

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