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11 setembro 2014

A Jovem do Mar Vermelho

Contos Tradicional Finlândes.

Era uma vez uma abastada casa de campo em que vivia um camponês com os seus três filhos. Acontecia que, cada vez que ele acabava de proceder à sementeira da Primavera, surgia uma noite de tempestade estival que destruía tudo. E assim sucedeu ao longo de doze anos consecutivos. Finalmente, cansou-se da situação repetitiva e decidiu:
— Vou parar de semear. De qualquer modo, nunca obtenho nada em troca.
O filho mais velho pediu-lhe então que o deixasse cultivar as terras e obteve autorização.
Assim, o jovem adubou o campo e semeou-o. Mas surgiu a noite da tempestade estival e repetiu-se tudo o que costumava acontecer ao velho agricultor.
Na Primavera seguinte, o filho do meio pediu ao pai que o deixasse tentar a sorte. Obtida autorização, trabalhou as terras e procedeu à sementeira. Quando calculou que chegara a noite da tempestade, ficou de vigília. À meia-noite, desencadeou-se um temporal tão furioso que derrubou todas as árvores do bosque. Ele entrou a seguir na casa de banho e depois foi deitar-se. Quando de manhã se levantou, a destruição era tão absoluta como nas vezes anteriores.
Ao chegar de novo a Primavera, o filho mais jovem pediu ao pai que o deixasse também experimentar, mas este último hesitava em o autorizar.

— A única coisa que se consegue é acumular desgraça sobre desgraça!
No entanto, acabou por ceder. Chegada a noite da tempestade, o rapaz ficou de vigília e, quando se aproximava, dirigiu-se a uma ponte que havia no meio da propriedade e deitou-se por baixo.
Pouco depois, três pássaros pousaram nela e, de súbito, transformaram-se em donzelas, que se despiram e atiraram as roupas ao chão. Uma delas adiantou-se até às terras e começou a pisar a sementeira, imitada prontamente pelas outras duas. Naquele momento, o rapaz surgiu de debaixo da ponte e apoderou-se da roupa. Duas regressaram imediatamente e conseguiram arrancar-lhe as suas das mãos, mas a terceira, que não teve tanta sorte, ficou ali. Aproximou-se então do rapaz e perguntou:
— Que será de mim, se me impedires de partir?
— Não te deixo ir com essa facilidade. Primeiro, terás de pagar ao meu pai a colheita de dez anos e a cada um dos meus irmãos a de um Verão.
— Com quê, se não tenho nada?
E, como não tinha coisa alguma para oferecer, ela sugeriu que a desposasse. Quando ele concordou, entregou-lhe um anel e disse:
— Coloca-o no dedo. Indica que estou comprometida contigo.
O rapaz soltou-a e ficou combinado que ele se encarregaria dos preparativos e ela compareceria a uma hora previamente determinada. O jovem mandou publicar os banhos e, na data estabelecida, os convidados compareceram para aguardar a noiva, mas como nunca mais aparecia, o rapaz principiou a preocupar-se. Quando soaram as badaladas do meio-dia, a sua ansiedade acentuou-se. Pouco depois, ouviu um ruído estranho e ela surgiu finalmente numa carruagem puxada por muitos cavalos cinzentos.
A boda foi celebrada com um lauto banquete e o troar de canhões. O rei, que vivia no palácio próximo, enviou um serviçal incumbido de perguntar:
— Porque estão a disparar sem o meu conhecimento?
O homem reapareceu e informou:
— Celebram um casamento. O filho do nosso vizinho uniu-se a uma mulher muito linda.
O monarca decidiu ir ver a noiva e ficou de tal modo deslumbrado com a sua beleza que disse ao noivo:
— Já que conseguiste uma mulher tão maravilhosa, esta noite terás de derrubar todo um bosque de carvalhos.
O jovem ficou apavorado com a ordem e perguntou-se: "Como posso executar esse trabalho gigantesco?" E lamentou-se à esposa:
— Como conseguirei uma coisa dessas?
— Não te preocupes! — aconselhou ela, com desprendimento.
Pediu a uma serviçal que, quando badalasse a meia-noite, mandasse aparelhar o melhor cavalo ruão e o trouxesse para junto da entrada. Em seguida, indicou ao marido:
— Monta o cavalo ruão e dirige-te a galope ao bosque de carvalhos do rei. — Entregou-lhe um pequeno machado e acrescentou: — Quando derrubares o carvalho mais baixo, dirás: "Que caiam todos os carvalhos, juntamente com este!"
Ele assim fez e as árvores foram todas abatidas. Por fim, tornou a montar o cavalo ruão e regressou a casa.
— Como correram as coisas? — quis saber a esposa.
— Estão todas as árvores derrubadas.
Na manhã seguinte, apareceu o rei, que declarou:
— Já que és tão forte, deves erguer todas outra vez.
Ao ouvir estas palavras, o jovem voltou a ficar apreensivo.
— Como conseguirei cumprir uma ordem destas?
Mas a esposa recomendou-lhe:
— Não te preocupes, que isso se fará num abrir e fechar de olhos.
A meia-noite, uma serviçal foi acordá-los.
— Está na hora...
O cavalo ruão já aguardava à entrada, e a esposa recomendou ao marido:
— Quando entrares no bosque, ergue o carvalho mais pequeno e diz: "Eu levanto este, e os outros que se levantem por si!"
Ele assim fez e, com efeito, todos os carvalhos se ergueram de novo. Em seguida, regressou a casa, e a esposa perguntou-lhe:
— Como correram as coisas?
— Todas as árvores estão novamente de pé!
Depois, o rei determinou que procurasse as chaves do seu palácio, as quais se tinham extraviado na época do seu avô.
— Como és tão forte, aposto que não há impossíveis para ti.
O jovem, convencido de que estava mais uma vez em apuros, comunicou à esposa:
— Agora, quer que encontre as chaves do palácio, perdidas no tempo do seu avô.
— Não te preocupes, que hão-de aparecer — assegurou-lhe ela. — Monta-te no cavalo ruão, de manhã cedo, que te conduzirá a uma igreja, cujas portas se abrirão espontaneamente. Entras, pegas nas chaves que estão penduradas na parede ao fundo e, ao saíres, não deves olhar para trás.
Ele cavalgou até à igreja no cavalo ruão, recolheu as chaves e preparou-se para sair. Naquele momento, o espírito protector do templo gritou:
- Que fizeste, jovem? Pegaste em alguma coisa! Pára!
Ele deu meia-volta... e o cavalo atirou-o ao chão.
O molho das chaves soltou-se-lhe da mão na direcção do cavalo e prendeu-se num dos cascos. O animal recolheu-o com os dentes e levou-o à dona, a qual as apresentou ao rei, com as palavras:
— Que terá sucedido ao meu marido, com as coisas que lhe mandas fazer? E muito possível que tenha acontecido urna desgraça.
— Não te preocupes — recomendou o monarca. — Uma mulher como tu não tem dificuldade em conseguir outro marido.
Não obstante, ela esperou o seu regresso durante um ano.
Esgotado esse lapso de tempo, o rei ordenou imperiosamente que o desposasse. Ela não teve outro remédio senão acompanhá-lo à igreja, mas primeiro explicou à serviçal:
— Não acredito que o meu marido volte, mas o que te vou dizer é para o caso de reaparecer. Quando chegar à igreja virá a voar. Repara em que direcção segue e diz-lhe que vivo para além do mar negro e do mar branco, num palácio submerso no mar vermelho. Em todo o caso, não poderá chegar lá, de maneira alguma.
Enquanto o jovem se arrastava penosamente até lá, passou diante de uma igreja, em cujo adro havia três homens, que lhe gritaram:
— Não sigas em frente e vem cá!
Acercou-se e viu que tinham três coisas que queriam repartir. eram idosos e haviam levado toda a vida ocupados com aquela distribuição, mas ainda não tinham conseguido pôr-se de acordo e pediram ao jovem:
— Reparte estas três coisas entre nós.
Referiam-se a um chapéu, um par de botas e uma espada. O jovem pegou no primeiro e perguntou:
— Que se pode fazer com isto?
— Se o puseres na cabeça, ninguém te verá.
Pô-lo imediatamente e perguntou:
— Vêem-me, agora?
A resposta foi unânime:
-Não!
Quando quis saber o que se podia fazer com as botas, informaram-no:
— Numa única passada, podes chegar até onde a tua vista alcança.
— E com a espada?
— Utiliza-se na guerra. Se a empunhares, tombarão todos os teus inimigos.
Num abrir e fechar de olhos, calçou as botas e chegou a voar no momento em que a esposa entrava na igreja. Quando saiu, ela perguntou à serviçal que rumo seguira.
Tinha-se escoado algum tempo desde que ele empreendera o voo para leste. Chegara a uma casa nova, fizera-se passar por tratador de cavalos e deitara-se para dormir atrás da mesa. Entretanto, o hospedeiro e a hospedeira colocaram sobre a mesa comida deliciosa, e o primeiro observou:
— Eu convidava o forasteiro a fazer-nos companhia, mas talvez não lhe apeteça comer.
O forasteiro ouviu o que diziam. O hospedeiro chegou junto dele e, sacudindo-o, disse-lhe:
— Levanta-te, hóspede, e vem comer!
Então, ele levantou-se e exclamou:
— Mas que mesa tão bem servida!
O hospedeiro e a esposa acharam muita graça.
Após o jantar, dormiram toda a noite sem interrupção. Na manhã seguinte, o hospedeiro tratou-o ainda mais cordialmente e mostrou-lhe os seus armazéns. Começou por um cheio de cobre e disse:
— Agora, vamos ver outro.
Este encontrava-se cheio de prata.
Quanto ao terceiro, abarrotava de ouro. Todavia, quando o abandonavam, o hospedeiro olhou em volta e bradou:
— Onde se terá o homem metido?
O jovem pusera o chapéu e enchera a mochila de ouro. O outro fartou-se de o procurar, sem resultado, e terminou por se perguntar de novo:
— Onde demónio se terá metido?
Apercebeu-se então de que faltava uma quantidade de ouro considerável e reconheceu:
— Devia tratar-se de um ladrão, apesar de se fazer passar por tratador de cavalos.
Entretanto, o fugitivo já percorrera uma grande distância através dos campos. Quando tirou o chapéu, o hospedeiro avistou-o e exclamou:
— Lá vai o bandido!
No entanto, o jovem continuou a afastar-se rapidamente, à procura da esposa. Depois de caminhar durante um dia inteiro, chegou ao mar branco. Percorreu então as duas margens e viu uma casa em que vivia uma rapariga que aquecia o quarto e lhe perguntou:
— Para onde queres ir?
Não sem notar que ela tinha um nariz que media seguramente vinte centímetros, respondeu que pretendia chegar ao outro lado do mar.
— Posso levar-te lá no meu barco, mas ficarei com uma das tuas mãos, como forma de pagamento. — Não preferes que te pague em ouro? — perguntou ele. — Tenho a mochila cheia.
— Não, não quero.
A jovem insistiu em que queria a mão antes de empreender a travessia, mas ele solicitou:
— Deixa-ma conservar durante o percurso, para tomar conta do leme, enquanto remas.
Os remos tinham cinquenta braças de comprimento e, depois de se internarem no mar durante algum tempo, os dois passageiros avistaram o outro lado. O jovem pôs então o chapéu e desembarcou, enquanto ela, furiosa, o procurava por todos os lados.
— Onde se terá ele metido? Afinal, não me deu nada: nem o ouro, nem a mão!
O rapaz percorreu a margem do mar negro, até que se lhe deparou outra casa em que vivia uma jovem. Aproximou-se e disse-lhe:
— A tua irmã, que me trouxe do outro lado do mar branco no seu barco, pediu-me que te transmitisse cumprimentos.
Ao ouvir isto, ela vociferou, enfurecida:
— Como é possível que o fizesse sem ficar sequer com uma das tuas mãos como pagamento?
Ele abriu a mochila e explicou:
— Paguei-lhe com ouro, mas ainda me resta muito.
Ela ficou ainda mais furiosa.
— Não o devia ter feito por ouro! — Quando o jovem lhe pediu que o levasse ao outro lado do mar negro, assentiu. — Está bem, mas com a condição de ficar com as tuas mãos. — Encaminharam-se para a beira-mar, e ela indicou: — Trá-las aqui, para que as corte.
— Deixa-me conservá-las durante a viagem, para poder tomar conta do leme. Quando chegarmos, poderás então cortá-las.
— Está bem. Assim farei.
Quando se acercaram do outro lado do mar, ele pôs o chapéu, saltou para terra e deixou a jovem a vociferar no barco. Embora tivesse um nariz que media quarenta centímetros, entendia-se muito bem o que dizia.
Ele seguiu em frente até chegar à praia do mar vermelho, onde se encontrava outra rapariga, a qual, para aquecer o quarto, revolvia a chaminé com o nariz, pois a lenha arde melhor quando se espevita.
— As tuas irmãs mandam-te cumprimentos — disse o jovem.
— Como pudeste chegar até aqui e conservar as mãos? — perguntou ela em voz nasalada. — Deviam ter-tas cortado. Que manas aquelas! Eu lhes conto, quando as vir! Levar-te no barco em troca de ouro, quando deviam ter-te exigido as mãos!... — No entanto, a fúria acabou por se dissipar ao fim de algum tempo e perguntou: — Afinal, aonde queres ir?
— Ao palácio submerso que existe no meio do mar vermelho e de que só se vê uma pequena ponta.
Garantiu-lhe que nunca o vira, apesar de ter percorrido o mar em todos os sentidos. Apesar disso, na manhã seguinte, dirigiu-se à praia e começou a gritar.
— Venham todas as aves do céu! Venham, que quero falar convosco!
Em poucos instantes, acudiram todas, grandes e pequenas, às quais perguntou:
— Viram, no mar vermelho, um palácio de que só assoma uma pequena ponta?
A resposta foi um "Não!" colectivo.
— Está bem. Desapareçam!
Depois de se deixarem de ver, tornou a gritar:
— Venham todos os peixes do mar! Venham, que quero falar convosco!
Não tardaram a aparecer e ela perguntou-lhes:
— Viram um palácio submerso no mar de que só assoma uma pequena ponta?
— Não vimos nenhum palácio!
— Então, desapareçam!
Quase em seguida, surgiu uma baleia e, ao vê-la, a jovem começou a ralhar-lhe.
— Porque chegas tão tarde? Não podias ter vindo com os peixes?
E a baleia referiu o seguinte:
— Quando vinha para aqui, passei por um palácio submerso e fiquei com uma barbatana presa num dos cantos. Foi por isso que me atrasei.
— Bem, podes retirar-te.
No momento em que a baleia se preparava para obedecer, o jovem pôs o chapéu e subiu para cima dela. O cetáceo tomou a passar, nadando, diante do palácio e ele apeou-se. De repente, os habitantes abandonaram o edifício, e a área em volta secou por completo.
Apareceu então uma serviçal que tinha saído para ir buscar água potável para a noiva que outrora fora esposa dele. O jovem ainda usava o anel que ela lhe confiara, quando a surpreendera a pisar as terras semeadas. Apressou-se a retirá-lo do dedo e a atirá-lo para dentro do cântaro de água, após o que entrou no palácio com a serviçal. Mas como tinha o chapéu posto, ninguém o podia ver. Ao pegar no cântaro, a mulher notou que alguma coisa soava e perguntou:
— Que tilinta neste cântaro? — Olhou para dentro e encontrou o anel. — Mas é o que entreguei ao meu marido, quando prometi que casaria com ele! Como terá vindo parar aqui?
O jovem, incapaz de conter a alegria, tirou prontamente o chapéu.
Na manhã seguinte, voaram nas asas dela em direcção à pátria do marido, que declarou guerra ao rei. Assim que empunhou a espada, este último perdeu todas as forças e expirou. Ele converteu-se então em monarca e a esposa em rainha, e a sua dinastia continua a governar nestes dias.

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