Assim me lembrei das palavras de minha amada. Eu estava morto sim,
pois tinha uma vida dependente dos sucessos de meus pais. Mas poderia
viver novamente. E assim terminei meus estudos, formei-me, fui dar
aula de filosofia num seminário e depois numa faculdade que acabou
sendo incorporada, posteriormente, a uma universidade federal. Casei
e tive filhos. Viajei pelo mundo. Mas meu único objetivo era
reencontrar aquela garota. O tempo ia passando para mim, deixando
suas marcas. Herdei uma fortuna de meus pais. Fiquei viúvo aos 59
anos. Quando ultrapassei os setenta anos doei meus bens a meus
filhos, à exceção da mansão onde vivia, buscando evitar para eles
o martírio de um inventário.
Estava me acabando, e não a via mais. Sempre olhava para a lua,
sabendo que em algum lugar deste mundo ela voava contra sua
claridade. Sabia que ela era a personificação do amor, mesmo sendo
uma criatura sombria. Eu a amava mais do que tudo. O que importa se
era um ser noturno? Ora, a claridade da lua só pode ser vista à
noite, mas ela pertence ao sol que lança seus raios luminosos contra
este frio satélite. E esta claridade lunar inspira histórias de
amor e, claro, de lobisomens. De seres perdidos como eu. Eu estava
perdido sim, pois minha vida, embora recuperada, não era completa
sem aquela garota que eu encontrara há tantos anos.
Dissera para mim que viria me buscar quando eu fosse morrer de
verdade. Por isso estou nesta praia. Já não tenho mais nada. Como
eu disse, doei meus bens para meus filhos, exceto a mansão onde
vivia, mas que agora eu a havia vendido porque não poderia levá-la
para o túmulo, e depositara o dinheiro na conta bancária de meus
netos. Dispensara os empregados, após lhes arrumar colocação em
outras casas e empresas. Meu mordomo Pedro conseguira se aposentar.
Tudo estava em ordem, mas eu não conseguia morrer assim, feliz, já
que esperava por ela e ela não vinha.
Aqui estou olhando as vagas do mar que choca contra a areia da praia.
Não me incomoda a pedra sobre a qual estou recostado, pois minha dor
pela saudade é maior do que a dor que a pedra impinge a este corpo
de velho. A lua está lá, como sempre, iluminada pelo sol. O mar
negro se agita. E eu aqui, sozinho, sabendo que minha hora chegou,
mas a promessa dela não será cumprida.
Neste momento de desespero, desesperança e descrença, sinto um
toque de uma forte mão em meu ombro. Ergo os olhos e a vejo, jovem e
linda como antes. Sorri para mim, seus olhos negros brilham em
contraste com a lua.
- Eu não disse que viria? ela diz.
Sim, neste momento único ela cumpriu o que dissera no dia em que eu
encontrei o verdadeiro amor. E agora posso também cumprir meu
destino, tão diferente do dela que é viver para sempre, mas o
cumprirei em seus braços. Sua mão roça meu ombro, e ela, ao
voltar, me deu a paz.
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