O
silêncio sepulcral deste momento fora irrompido por ventosas. Mais
ventosas. Joel empurra o homem e corre a descer as rampas novamente.
O homem pouco se importa. Joel se sente um rato fugindo todo o tempo
preso num labirinto a espera do Minotauro. Ele chega ao andar abaixo
e se dirige ao lado esquerdo do corredor, na tentativa de esconder-se
numa das salas de aula.
Quando
avista a primeira delas, Joel vê o homem saindo de lá. Um mudo
grito de terror ele dá. O homem aponta sua bengala para Joel. Ele
estranhamente parece olhar o íntimo de sua alma. Porque os olhos são
as janelas da alma. ‘Ô, seu arrombado, você sabe quem sou eu,
sabe?’ Joel vê a bengala tomar a forma de um revólver. Branco. O
homem nada diz. Dá um tiro em sua mão esquerda. Joel chora. Antes
ele vê o homem, com um gestual como num passe de mágicas,
transmutar o cenário onde estavam: o chão é todo feito em xadrez,
com grandes pedras brancas e negras; há pilares relembrando a
arquitetura grega; há um altar com um trono atrás do homem; há
espadas e armaduras encostadas nas paredes. O homem traça com sua
bengala a testa de Joel e a marca com um heptagrama.
Joel
olha para os lados. Todos eles. Vê diversos selos de Salomão
espalhados fora do piso de xadrez. Mas selos de Salomão não têm
serventia para ele neste momento. Ele encontra uma espada, que a
muito custo consegue tirar do apoio. O homem vem em sua direção,
andando como um esgrimista. Logo Joel percebe o que ele quer. E parte
com sua fúria para cima do homem, que se esquiva. Lugubremente o
homem sempre evita os movimentos de Joel. Ele sabe que não pode
vencer.
Joel
pensa em correr. O homem parece ler seus pensamentos. Ou lia seus
sonhos? Impossível dizer. O homem o ataca. Joel não se defende e
solta sua espada. O homem dá severos tapas em sua face. Joel
choraminga. Como uma pequena criança quando apanha injustamente. O
homem o atira ao chão e o chuta em suas nádegas.
Joel
levanta e corre. Não sabe aonde foram parar os insetos. Ele não se
importa. Tenta correr em direção às rampas de acesso. Desta vez
quer ir para baixo. Quer sair da universidade. Mas o homem voa às
suas costas, derruba-o ao chão, joga o peso de seu corpo contra o
corpo de Joel amortecendo a queda.
Num
ímpeto de fúria, e coragem; algo raro por parte de Joel neste
episódio; ele enfrenta o homem da máscara. ‘Qual é a tua, ô
cara? Se esconde por trás desta máscara. Mostra a cara, meu irmão,
tá com medo?’. Algo na mente de Joel o dá a impressão de que o
homem surpreendeu-se com tamanha racionalidade diante de uma situação
tão extrema.
O
homem tira sua máscara e Joel o vê sacudindo seus longos cabelos
negros. Aos poucos os cabelos espalham-se para mostrar o rosto deste
homem tão macabro. Ele é um jovem. Dezesseis, dezoito, vinte anos.
Joel não poderia saber. Os véus nublaram sua mente. Mas o corpo
transmutara-se num pássaro. Com penas negras. Por todo o corpo deste
jovem homem. Mais uma vez Joel grita. Seu horror era tamanho que ele
se atirou ao chão. E gritava como se houvesse perdido a sanidade. O
homem, agora com corpo de pássaro, dá outros severos tapas na face
de Joel. Ele, cansado de tanto desespero, sofrimento, dor, angustia,
suplica para que isto tudo termine.
O
homem traz na palma da sua mão um símbolo onírico. Ele tenta
esfregar na testa de Joel. Tomado de pavor, Joel afasta a mão do
homem e, no mesmo instante em que projeta suas mãos contra o peito
dele, promove o mesmo ato em seu quarto.
Joel
acorda sobre-saltado. Respira ofegante repetidas vezes. Abre os
botões de seu pijama amarelo. Toma o café frio que está em cima do
criado mudo. ‘Maria, acorda Maria, eles voltaram.’ ‘Eles quem,
Joel?’ ‘Eles, os besouros azuis...’
Mesmo
após esse episódio a personalidade de Joel continuou a mesma. Ele
era velho demais para mudar. Até mesmo alguns pontos de suas
características foram reforçados, porque ele não poderia
demonstrar traços de derrota. Mas ainda assim, quando a noite
chegava, e o vento assobiava suas melodias lânguidas, as corujas
emitiam seus grunhidos de medo, os morcegos quase derrubavam-no ao
chão, Joel sabia que estava na hora de enfrentar sua cama, seus
medos, seus sonhos. Sabia que Ele estaria lá, esperando por ele, com
sua máscara de oxigênio, com sua bengala branca, com sua trupe de
insetos gigantes. Ansiosos por brincar novamente.
Rodrigo Garcez
Martins
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