Sempre me ensinaram que anjos têm asas, mas agora sei que isto
não é verdade. Anjos também sofrem acidentes, caem e se machucam.
Mas eu sei que você vai superar tudo isto, minha querida, e voltar a
pisar com seus lindos pés este chão que é abençoado com seus
passos.
- Mais alguma coisa, Barão?
Respondi negativamente, com um gesto. Pedro, meu mordomo de tantos
anos pegou suas malas e saiu da mansão vazia. Olhei para aquelas
paredes que antes estavam tão repletas de quadros, aqueles cômodos
outrora adornados por móveis caros... Agora vazios. A mansão,
herança de meus antepassados que agora pertencia a outra família,
novos ricos que investiam nessas velhas mansões que resistiam ao
tempo, à especulação, fomentavam sonhos e sofriam com o alto valor
do IPTU.
Além do mais, minha antiga mansão precisava de empregados, e eu já
não podia mais contratá-los. Aos 98 anos, só me restava partir
como fizera Pedro. Mas a partida de Pedro tinha um destino traçado
por sua aposentadoria. Quanto a mim, iria me aposentar da vida.
Aproximei-me da janela e vi o mar lá embaixo. Uma linda vista para a
praia particular que já não me encantava como antes, em minha
infância e juventude. Em minha juventude antes de encontrá-la.
Sim, antes de encontrá-la. Foi um único encontro, e desde então eu
quero que ele se repita. Ela me prometeu que viria me buscar, e cá
estou esperando. Por isso, deixo a mansão e vou até a praia. A lua
se reflete nas águas escuras do mar que, revolto, se choca contra a
areia. Deito-me distante, recostado numa pedra, triste porque sei que
ela não virá. Prometeu que viria me buscar, mas minha esperança de
que sua promessa iria se cumprir, é em vão. Qual a razão de tornar
a ver este velho, ela que está tão jovem e linda como antes? Sim,
como naquela época...
Eu tinha vinte anos, naquela época, e estava no Rio de Janeiro,
participando de um réveillon e gastando em demasia a fortuna de meus
pais, como sempre fazia. O baile no grande hotel estava animado, com
figuras de escol, todos bem vestidos. Lindas damas, gentis
cavalheiros, nobres decadentes, empresários espertos, políticos
corruptos, agiotas rapaces, toda a elite brasileira e estrangeira se
encontrava comemorando a passagem de ano. Eu já havia beijado e
agarrado em segredo mulheres casadas, solteiras, viúvas,
desquitadas, ou seja, tudo aquilo que é permitido a um descendente
direto dos primeiros colonizadores da nação.
Uma donzela, filha de paulistas produtores de café, flertava comigo
a todo instante. Esperei a hora certa de agir. Quando a moça olhou
para mim e se dirigiu ao corredor que, naquele momento estava deserto
já que todos se reuniam como gado nos últimos minutos do ano velho,
percebi que deveria agir. Eu a segui com dificuldade, abrindo caminho
entre a multidão de felizes e embriagados foliões. Já a perdera de
vista e temi que não a encontrasse mais. Finalmente consegui ter
acesso ao corredor, mas não a vi. Andei lentamente pelo corredor,
sem ver a donzela. No caminho, encontrei seu lenço caído no chão.
Percebi que uma surpresa não muito agradável poderia estar à
espreita. Dei mais alguns passos, quando ouvi um gemido vindo atrás
de uma das portas fechadas. Auscultei com atenção. Uma voz feminina
tentava gritar por socorro, mas estava muito fraca. Tomei coragem e
empurrei a porta, conseguindo abri-la.
A donzela estava desfalecida nos braços de uma garota vestida de
negro. Fiquei estupefato, a princípio, mas depois fui tomado pelo
horror. Do pescoço da donzela jorrava sangue, sua jugular fora
atingida por algum objeto cortante. Então, com maior horror, notei
que o corte partira dos dentes da outra garota. Recuei alguns passos.
A garota largou o corpo da donzela, que tombou ao chão, e
literalmente voou até mim. Caí para trás, ao chão, quando a
garota me pegou pelo pescoço com a mão direita, enquanto sua mão
esquerda amparou minha cabeça ao segurar minha nuca. Fiquei
estendido no chão do corredor, com a garota sobre mim.
Douglas, eu adorei! Sua escrita é muito madura. A ambientação ser no Brasil é uma ideia maravilhosa. Você conseguiu me fazer apaixonada pelo personagem/narrador. E a chagada da moça de negro foi muito bem descrita. Enfim, amei! Eu não mudaria nada!!!
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