‘Tio,
a Alice tem medo do gato que desaparece. Eu também tenho.’ Joel
olhou a capa e deparou-se com o odioso nome de Carol, Lewis Carol.
Folheou mais algumas páginas não acreditando em tamanha futilidade
para tão pouca idade. E jogou o livro ao chão.
‘Moleque
estúpido. Lê João Cabral de Melo Neto e aprende alguma coisa nessa
tua vida ridícula’. Ao fazer isso, ainda não achando o bastante,
acerta um safanão na testa do menino. Apenas um pequeno menino que
brinca com o que os adultos racionais e inteligentes preferiram
ignorar até o fim de suas existências, até o momento em que
clamarão por Cristo Salvador. Por que não mais em nada acreditaram
em suas vidas, na hora do retorno à Mãe-Terra clamam por sua
providência?
E
Joel se fora. E fora feliz em seu carro novo, acelerando fundo,
fechando outros motoristas.
Ao
chegar em casa, tarde da noite, ele vê um estranho pássaro negro no
topo de seu telhado. O pássaro é grande e Joel pega um velho
binóculo que havia em seu porta-luvas. Ele pensa se tratar de um
urubu, mas qual não é sua surpresa quando se depara com um corvo
negro.
Joel
diz a si mesmo que isto não pode ser verdade. O corvo então agita
suas asas. Joel não quer admitir, mas está com medo. Muito medo.
Apavorado, esquece-se de trancar a porta do carro. ‘Que se dane.
Não há maneira de ninguém vivo entrar aqui. Não existem corvos no
Brasil. Isso é o cansaço. Preciso de um bom banho.’
E
assim Joel fez. Tomou seu banho. Antes deu o costumeiro beijo na
testa em sua esposa, jantou, vestiu seu pijama amarelo e dormiu.
Joel
teve um sono pesado naquela noite. Em momento nenhum se debatera, mas
seu espírito se agitara dentro do corpo.
Ele
viu um homem de baixa estatura que trajava roupas cinzas caminhando
por um longo caminho subterrâneo. Este homem portava uma máscara de
oxigênio, e uma bengala branca. Parecia usar-na como uma varinha,
manejando-a entre os dedos. Ele tateava as paredes do corredor como
se procurasse algo. Dado momento, percebeu o homem escavar a parede.
Não sabia por que nem como ele estava lá. Apenas sabia que estava.
E aquele lugar era de certa forma conhecido por Joel. Será que ele
poderia realmente lembra-se disto? Será que Joel já vira este
estranho? Quem era aquele exótico andarilho das trevas a caçar
tesouros numa velha mina aparentemente abandonada? Que seriam tais
tesouros?
Talvez
nem mesmo Joel poderia saber.
O
homem, juntamente com seu cenário, sumiu. Joel sentiu-se; seu corpo
ou sua alma, não saberia dizer; afundar numa camada de gel, ou um
véu. Essas sensações eram novas para ele. Porque Joel não
sonhava. Não sabia qual o sabor de uma nuvem de chuva, que as
estrelas são bolas de luz frias e explodem ao serem tocadas, que a
lua torna-se cheia quando grávida do rei-sol.
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