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26 setembro 2014

Álvares de Azevedo

Em 12 e Setembro de 1831, nascia em São Paulo, Manuel Antônio Álvares de Azevedo. Filho de Inácio Manuel Álvares de Azevedo e Maria Luiza Mota Azevedo, o poeta, contista e ensaísta Álvares de Azevedo, teria nascido na sala da biblioteca da Faculdade de Direito de São Paulo; porém, foi constatado que o nascimento se deu na casa do avô paterno, Severo Mota.

Filho de família ilustre, mudou-se para o Rio de Janeiro em 1833, e em 1840 ingressou no Colégio Stoll; retornando a São Paulo em 1844. Regressou para o Rio de Janeiro no ano seguinte e matriculou-se no Colégio Pedro II. Finalmente, em 1848 entrou para a Faculdade de Direito de São Paulo. Tendo uma vida literária intensa, Álvares de Azevedo foi fundador da Revista Mensal da Sociedade Ensaio Filosófico Paulistano.

Fortemente influenciado por Lord Byron e Musset, Álvares de Azevedo inseriu em suas poesias elementos da linguagem desses escritores. A melancolia e a presença constante da morte eram temas perenes em suas obras.

Álvares de Azevedo era de pouca vitalidade e o desconforto das repúblicas aliado ao esforço intelectual intenso, enfraqueciam sua saúde. Entre 1851 e 1852, manifestou-se a tuberculose pulmonar, agravado por uma lesão ocasionada numa queda de cavalo ocorrida no mês anterior. Sofreu uma intervenção cirúrgica que não surtiu efeito, e faleceu às 17 horas no dia 25 de Abril de 1852. Seu corpo foi enterrado no cemitério Pedro II, na Praia Vermelha; em 1854, foi transladado para o cemitério São João Batista.

Se eu morresse amanhã foi escrita dias antes de sua morte e lida no enterro por Joaquim Manuel Macedo. Álvares de Azevedo era amigo de Bernardo Guimarães, Aureliano Lessa e José Bonifácio; com que dividiu as acomodações da Chácara dos Ingleses, em São Paulo.

Entre 1848 e 1851, publicou alguns poemas, artigos e discursos. Depois da sua morte surgiram as Poesias (1853 e 1855), cujas edições sucessivas uniram-se aos outros escritos, alguns dos quais publicados antes em separado. As obras completas, como as conhecemos hoje, compreendem: Lira dos vinte anos, Poesias diversas, O poema do frade e O conde Lopo, poemas narrativos; Macário, "tentativa dramática"; Noite na taverna, contos fantásticos; a terceira parte do romance O livro de Fra Gondicário; os estudos críticos sobre Literatura e civilização em Portugal, Lucano, George Sand, Jacques Rolla, além de artigos, discursos e 69 cartas.

Preparada para integrar As três liras, projeto de livro conjunto de Álvares de Azevedo, Aureliano Lessa e Bernardo Guimarães, a Lira dos vinte anos é a única obra de Álvares de Azevedo cuja edição foi preparada pelo poeta. Vários poemas foram acrescentados depois da primeira edição (póstuma), à medida que iam sendo descobertos.

A característica intrigante de sua obra reside na articulação consciente de um projeto literário baseado na contradição, talvez a contradição que ele próprio sentisse, na condição de adolescente.

Perfeitamente enquadrada nos dualismos que caracterizam a linguagem romântica, essa contradição é visível nas partes que formam sua obra principal, Lira dos Vinte Anos. A primeira e a terceira partes da obra mostram um Álvares adolescente, casto, sentimental e ingênuo. Já a segunda parte apresenta uma face irreverente, irônica, macabra e por vezes orgíaca e degradada de um moço-velho, isto é, um jovem em conflito com a realidade, tragado pelos vícios e amadurecido precocemente.

A obra de Álvares de Azevedo apresenta linguagem inconfundível, em cujo vocabulário são constantes as palavras que expressam seus estados de espírito, a fuga do poeta da realidade, sua busca incessante pelo amor, a procura pela vida boêmia, o vício, a morte, a palidez, a noite, a mulher... Em Lembranças de morrer, está o melhor retrato dos sentimentos que envolvem sua vida: "Descansem o meu leito solitário/ Na floresta dos homens esquecida/ À sombra de uma cruz e escrevam nela:/ - Foi poeta, sonhou e amou na vida."

A Morte e o Mito


O domingo, 25 de abril de 1852, se iniciara sombrio na casa do Dr. Inácio Manuel Álvares de Azevedo, no Rio de Janeiro. Seu filho Manuel Antônio, o Maneco, pedira à mãe, D. Maria Luísa, que mandasse celebrar uma missa em seu quarto de doente. Sentia que, depois de mais de 40 dias prostrado no leito, vítima de uma série de males, que se manifestaram violentamente após uma queda de cavalo, chegara a hora da morte - que tanto cantara em seus versos de adolescente, apaixonado pelos delírios macabros de Byron e Musset.

Após se confessar ao padre arrumado às pressas, pediu à mãe, grávida de seu oitavo irmão, que se retirasse do quarto, pois precisava descansar. Por volta das 4 horas da tarde, com o auxílio do irmão Quinquim - quatro anos mais moço - ergueu-se um pouco do leito, beijou a mão de seu pai e, a custo, exclamou: "Que fatalidade, meu pai!"

Tentou ainda dizer algumas palavras, mas a boca já se contraía e o corpo jazia imóvel nos braços do irmão.

"Maneco! Maneco!..." Gritavam Quinquim e o Dr. Inácio Manuel.

Do quarto ao lado, D. Maria Luísa, ouvindo e entendendo, soltou um grito desesperado e desfaleceu.

No enterro, discursou o parente Joaquim Manuel de Macedo, médico, professor e já um dos mais importantes e populares romancistas do Brasil, autor de A Moreninha (1844). Entre outros elogios, afirmava que "Deus tinha acendido na alma do mancebo aquele fogo sagrado da poesia, que eleva o homem acima da terra e faz correr de seus lábios, em cânticos sonoros, a linguagem do inspirado".

No dia 27 de abril, o Correio Mercantil, jornal onde então trabalhava Manuel Antônio de Almeida, publicou, na primeira página, uma nota em que se lia: "Nesse jovem, perdeu o Brasil um de seus mais esperançosos filhos, um coração patriótico e dedicado, um poeta cujos vôos deviam elevar-se a grandes alturas, um advogado que prometia em breve conhecer todos os arcanos das ciências jurídicas, pois que ainda no fervor dos anos já lhe eram igualmente familiares os poetas e literatos da Itália, da Alemanha, da França e da Inglaterra, assim como os escritos dos mais abalizados jurisconsultos e publicistas."

Quase um mês depois, a 22 de maio, em São Paulo, a sociedade acadêmica a que Maneco pertencia, o Ensaio Filosófico Paulistano, realizava uma sessão fúnebre em sua homenagem, presidida por Amaral Gurgel. Nos vários discursos e poemas apresentados, "gênio" é a palavra mais usada para caracterizá-lo.

Ao morrer, Manuel Antônio Álvares de Azevedo havia publicado apenas alguns poemas e discursos em revistas acadêmicas de circulação restrita aos estudantes de Direito de São Paulo. Já era, no entanto, considerado, por aqueles que o conheciam, uma grande esperança poética e intelectual.

A sua morte, antes que chegasse a completar o vigésimo primeiro aniversário, privou-nos, nas palavras de José Veríssimo, "daquele que seria talvez o máximo poeta brasileiro". Seria... Talvez... O certo é que a morte jovem criou, como sempre, um mito. O mito do gênio doente e mórbido, que previra a própria morte em "Se Eu Morresse Amanhã":

"Quanta glória pressinto em meu futuro!
Que aurora de porvir e que manhã!
Eu perdera chorando essas coroas
Se eu morresse amanhã!"


Vida breve: vida louca?

"Nada que é tudo", todo mito é enigmático. A tão curta vida de Álvares de Azevedo é fonte de inúmeras polêmicas entre seus biógrafos. Discute-se desde o local onde teria nascido, até a causa médica de sua morte. Principalmente, polemiza-se em torno da sua conduta quando estudante em São Paulo. Libertino devasso ou estudante recatado? Vamos aos fatos que parecem certos.

Sabe-se que o autor da Lira dos Vinte Anos nasceu no dia 12 de setembro de 1831, em São Paulo, onde seu pai era ainda quintanista da Faculdade de Direito. Tudo indica que teria nascido na biblioteca da casa do avô, embora haja uma lenda de que o parto teria ocorrido na biblioteca da própria Faculdade de Direito. De qualquer modo, Álvares de Azevedo teria nascido como, de resto, passaria toda a vida: entre livros.

Formado, seu pai se transfere para a capital, o Rio de Janeiro, iniciando logo brilhante carreira jurídica. Aos quatro anos de idade, Maneco depara-se, pela primeira vez, com a morte. O falecimento de seu irmãozinho, Manuel Inácio, deixa marcas profundas sobre o jovem sensível. Alguns biógrafos atribuem ao choque com a morte do irmão uma febre que o domina entre os cinco e os seis anos, quase o mata, e que o deixaria debilitado pelo resto da vida. Certamente o poema O Anjinho, da Lira dos Vinte Anos, traduz, anos depois, a forte impressão que o episódio lhe causou:


"Não chorem! lembro-me ainda
Como a criança era linda
No frescor da facezinha!
Com seus lábios azulados,
Com os seus olhos vidrados
Como de morta andorinha!"


Ainda adoentado, inicia-se nos estudos com pouco brilho. Ingressa, aos nove anos, no Colégio Stoll, onde logo se destaca, sendo considerado, pelo professor Stoll, "o melhor dos alunos, pela inteligência, pelo espírito, pela amável alegria e, principalmente, pela bondade".

Terminado o primário, já fala francês e inglês e ingressa no célebre Colégio Dom Pedro II para cursar o ginásio. Lá, aprende o alemão, o grego e o latim e tem aulas de filosofia com o poeta Gonçalves de Magalhães, introdutor do romantismo no Brasil. Sempre enfrentando problemas de saúde, recebe com menção honrosa, em 1847, o título de Bacharel em Letras, o equivalente, hoje em dia, ao diploma do Segundo Grau.

Em 1848, ingressa na Academia de Ciências Jurídicas de São Paulo. A partir da sua transferência para a capital paulista até a sua morte, em férias, no Rio de Janeiro, a história se mistura com a lenda e fica difícil distinguir o homem do mito.

Nas suas cartas à família e aos amigos cariocas, assim como na peça Macário, Maneco revela um imenso tédio em morar na pequena "cidade colocada na montanha, envolta de várzeas relvosas" com "ladeiras íngremes e ruas péssimas", nas quais "era raro o minuto em que não se esbarrasse a gente com um burro ou com um padre". A capital paulista era, então, habitada por não mais de 15 mil pessoas, que viviam escandalizadas com as aventuras devassas de uma sociedade secreta de estudantes, fundada em 1845, conhecida como Sociedade Epicuréia. Seus membros, alunos da Academia, chamavam-se uns aos outros pelos nomes de personagens do Lord Byron e tinham, como objetivo principal, colocar em prática as "extravagantes fantasias" do poeta inglês. Realizavam orgias intermináveis e, diz a lenda, cerimônias macabras nos cemitérios paulistanos.

Chegando a essa São Paulo, Álvares de Azevedo trava logo amizade com dois poetas estudantes, notórios boêmios, Aureliano Lessa e o futuro romancista Bernardo Guimarães. Juntos, planejam publicar um livro de versos, intitulado As Três Liras.

Introvertido, estudioso, Álvares de Azevedo leu com avidez e produziu vertiginosamente durante os quatro anos de Faculdade. Escreveu os poemas reunidos nos livros Lira dos Vinte Anos e Poesias Diversas; os poemas longos O Poema do Frade e O Conde Lopo; o drama Macário; as narrativas de Noite na Taverna e O Livro de Fra. Gondicário; quase uma centena de páginas de estudos literários; alguns discursos acadêmicos e ainda incontáveis cartas pessoais enviadas ao Rio de Janeiro.

Ficaria muito difícil, portanto, a um trabalhador tão incansável, de saúde sempre abalada, ter-se misturado com freqüência às orgias sucessivas e aos excessos dos companheiros boêmios, menos dedicados à literatura e ao estudo. Vida louca? Certamente a dos que o cercavam. A de Maneco parece, aos estudiosos mais sérios, ter se passado fundamentalmente entre os livros e os sonhos.

Duas mortes marcaram profundamente o poeta nos seus últimos anos de vida. Em setembro de 1850, o quintanista Feliciano Coelho Duarte comete o suicídio. Em setembro de 1851, morre seu amigo João Batista da Silva Pereira Júnior. No discurso fúnebre do amigo, Álvares de Azevedo diria: "Cada ano uma vítima se perde nas ondas, e a sorte escolhe sorrindo os melhores dentre nós".

No seu quarto de pensão, compõe um poema dedicado ao amigo e escreve na parede:

1850 - Feliciano Coelho Duarte

1851 - João Batista da Silva Pereira

1852 - ...

Entre os anos letivos de 1851 e 52, vai passar as férias com a família. Passeando a cavalo, a conselho médico, com seu cão Fiel pelas ruas do Rio de Janeiro, para amenizar os sintomas da tuberculose que o afligia, sofre uma queda. Após uma operação, segundo a família, sem anestesia, para a remoção de um tumor na fossa ilíaca - provavelmente uma apendicite supurada - e depois de 46 dias de agonia, deixa a vida para virar lenda.
  

2 comentários:

  1. Não é nada fácil encontrar blogs com um bom conteúdo hoje em dia. O seu está de parabéns!

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  2. Um dos meus autores nacionais preferidos! Simplesmente perfeito!

    http://eucurtoliteratura.blogspot.com.br/

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