Tal como nos outros anos, os meses e as estações daquele ano
passaram bastante rapidamente, sem jamais voltar. Depois do Natal vem a
Quaresma, a primavera cheia, e aguaceiros aquecidos se despejam.
Então, os bosques tornam-se verdes, e os pássaros constroem seus
ninhos e cantam a ale-gria, pois que o verão se seguirá. As flores
começam a desa-brochar, e notas nobres são ouvidas nas florestas. Mais
belas se faziam as flores com as doces brisas do verão, umede-cidas com
as gotas de orvalho. Depois, porém, a colheita aproximou-se,
levantando a poeira por toda a parte, as folhas tombaram das árvores, a
relva tornou-se cinzenta, e tudo amadureceu e apodreceu. Por fim,
quando os ventos hibernais tornaram a surgir, Sir Gawayne pensou na
sua temerosa jornada, e em sua promessa ao Cavaleiro Verde.
No Dia de Todos-os-Santos, Artur realizou uma festa dedicada ao seu
sobrinho. Depois da refeição, Sir Gawayne assim falou ao tio:
— Agora, senhor e suserano, despeço-me de ti, porque devo procurar, amanhã, o Cavaleiro Verde.
Muitos nobres cavaleiros, os melhores da Corte, aconselharam-no e
confortaram-no, muita tristeza manifestou-se no pavilhão, mas Gawayne
declarou que nada tinha a temer. Pela manhã, pediu suas armas. Um
tapete foi estendido no chão, e sobre esse tapete êle pisou. Estava
vestido com um gibão de seda de Tarso e usava um capuz muito bem
feito. Colocaram-lhe sapatos de aço nos pés, envolveram-lhe as pernas
em perneiras de aço, e colocaram-lhe a cota de malhas de aço, os bem
polidos anteparos do raraço, as peças dos cotovelos, e as manoplas,
enquanto sobre tudo aquilo era colocado o revestimento da armadura. As
esporas foram então fixadas, a espada presa ao seu flanco com um
cinturão de seda. Assim preparado, o cavaleiro ouviu missa,
despedindo-se, depois, do Rei
Artur e de sua Corte. Por aquela altura seu cavalo Gringolet já estava pronto, e seus arreios reluziam com o resplendor do sol. Então, Sir Gawayne colocou o elmo na cabeça, e o círculo em torno desse elmo era cravejado de brilhantes. Deram-lhe um escudo com o "pen-tângulo" em ouro puro, projetado pelo Rei Salomão como penhor da verdade, pois é chamado o vínculo infinito, e muito bem ficava em Sir Gawayne, cavaleiro dos mais verdadeiros no que dizia e dos mais belos na forma. Tinha perfeitos os cinco sentidos, a imagem da Virgem estava pintada em seu escudo, e jamais tivera falhas de cortesia. Assim, o vínculo infinito foi aplicado ao seu escudo.
Artur e de sua Corte. Por aquela altura seu cavalo Gringolet já estava pronto, e seus arreios reluziam com o resplendor do sol. Então, Sir Gawayne colocou o elmo na cabeça, e o círculo em torno desse elmo era cravejado de brilhantes. Deram-lhe um escudo com o "pen-tângulo" em ouro puro, projetado pelo Rei Salomão como penhor da verdade, pois é chamado o vínculo infinito, e muito bem ficava em Sir Gawayne, cavaleiro dos mais verdadeiros no que dizia e dos mais belos na forma. Tinha perfeitos os cinco sentidos, a imagem da Virgem estava pintada em seu escudo, e jamais tivera falhas de cortesia. Assim, o vínculo infinito foi aplicado ao seu escudo.
Agora, Sir Gawayne agarra sua lança e diz adeus a todos. Esporeia
seu cavalo e segue seu caminho. Todos quantos o viam choraram-no em
seu coração, e declararam que sobre a terra não seria encontrado
cavaleiro igual a êle. Teria sido melhor que se fizesse dirigente de
homens, do que procurar a morte às mãos de um cavaleiro que se parecia
aos duendes.
Entretanto, muitas e fatigantes milhas percorre Sir Gawayne. Agora,
o cavaleiro cavalga através dos domínios da Inglaterra, sem outra
companhia a não ser a de seu cavalo, e sem ver homem algum até que se
aproximasse da Gales do Norte. De Holyhead passou para Wirral, onde
poucos encontrou que amassem Deus ou o homem. Perguntou pelo Cavaleiro
Verde da Capela Verde, mas não conseguiu obter notícias dele. Seu
ânimo sofreu várias modificações antes que encontrasse a capela. Subiu
muitos rochedos, cruzou muitos vaus e muitas torrentes, em toda a
parte encontrava um inimigo. Seria cansativo contar a décima parte de
suas aventuras com serpentes, lobos e homens selvagens, com touros,
ursos e javalis. Não tivesse êle sido ao mesmo tempo bravo e bom, é
sem dúvida alguma pereceria. O inverno rigoroso mostrava-se pior para
êle do que qualquer das guerras em que tinha estado. Assim, através de
perigos, viajou até a véspera de Natal, e pela manhã encontrou-se em
floresta intrincada, onde havia centenas de velhos carvalhos. Ali,
muitos pássaros tristes, pousados nos ramos despidos, pipilavam
lastimosamente, sofrendo pelo frio. Através de péssimos caminhos e
profundos atoleiros, ia êle, a fim de comemorar o nascimento de Cristo,
e, persignando-se, diz:
— Cruz de Cristo, fazei-me rápido!
Mal acabara de se persignar pela terceira vez quando viu uma
moradia na floresta, sobre uma colina, o mais belo castelo que jamais
cavaleiro algum possuiu, e que brilhava ao sol através dos carvalhos
luxuriantes.
Imediatamente, Sir Gawayne adiantou-se para o portão principal e
encontrou a ponte levadiça levantada, bem como os portões trancados.
Dali da margem observou as altas paredes de pedra talhada que se
erguiam com seus parapeitos, torres e chaminés brancas. E grandes e
brilhantes eram suas torres redondas, com seus capitéis bem
construídos.
— Oh! — pensou êle — se eu ao menos pudesse entrar no claustro.
Chamou, e logo apareceu um porteiro para saber qual a mensagem do cavaleiro.
— Bom senhor, — disse Gawayne, — pede ao alto senhor desta casa que me conceda alojamento.
— Bem-vindo sejas para aqui morar enquanto te parecer bem — replicou o porteiro.
No mesmo momento a ponte foi descida, e o portão aberto amplamente
para recebê-lo. Êle entrou, e seu cavalo foi bem instalado, enquanto
cavaleiros e altos senhores rurais levavam Gawayne para o vestíbulo.
Todos se precipitaram para tomar-lhe o elmo e a espada, o senhor do
castelo deu-lhe as boas-vindas, e ambos cumprimentaram-se,
bei-jando-se. Gawayne contemplou seu hospedeiro, e êle pareceu-lhe
grande e ousado. De escuro tom de castor era sua ampla barba, e como
fogo reluzia seu rosto.
O senhor conduziu Sir Gawayne para um aposento, designando um pajem
para servi-lo. Naquela câmara luxuosa havia nobres instalações de
leito. As cortinas eram de seda pura, com debruns de ouro, e
tapeçarias de Tarso cobriam as paredes e o piso. Ali o cavaleiro
livrou-se de sua armadura, vestiu-se com trajos ricos, que lhe ficavam
muito bem. E, realmente, mais formoso cavaleiro do que Sir Gawayne
jamais tinha sido visto.
Foi, então, colocada junto da latira uma cadeira para seu uso, e
cobriram-na com um manto de linho fino, ricamente bordado. Uma mesa
foi igualmente trazida, e o cavaleiro, depois de se ter lavado, foi
convidado a sentar-se e comer. Serviram-lhe numerosos pratos, com
peixe assado e grelhado, ou cozido e temperado com especiarias. Foi um
completo e nobre banquete, e muito êle se divertiu, enquanto comia e
bebia.
Então, Sir Gawayne, respondendo a uma pergunta de seu hospedeiro,
disse-lhe que era da Corte do Rei Artur, e quando tal coisa foi
conhecida houve grande alegria no vestíbulo. Cada qual dizia baixinho
para seu companheiro:
— Agora veremos maneiras corteses e ouviremos nobres palavras, porque temos entre nós o pai de toda a instrução.
Depois do jantar o grupo foi para a capela, a fim de ouvir as
orações vespertinas da grande temporada. O senhor do castelo e Sir
Gawayne sentaram-se juntos durante o serviço religioso. Quando a
esposa do primeiro, acompanhada de suas donzelas, deixou seu lugar
após o serviço, parecia ainda mais bela do que Guinever. Uma dama mais
idosa levou-a pela mão, e mostravam ambas aspectos muito diferentes,
pois enquanto a mais jovem era clara, a outra era amarela, e tinha
faces ásperas e enrugadas. A mais jovem possuía pescoço mais alvo do
que a neve, a mais velha tinha sobrancelhas negras e lábios escuros.
Com a permissão do senhor, Sir Gawayne saudou a mais velha e beijou
cortesmente a mais jovem, pedindo-lhe que o considerasse como um servo
seu. Para o grande vestíbulo foram eles, onde foram servidos
especiarias e vinhos; o senhor tirou o capuz e colocou-o sobre uma
lança: aquele que melhor concorresse para a alegria geral naquela
temporada de Natal, ganhâ-lo-ia.
Na manhã do Natal a alegria reina em todas as moradas do mundo, e
isso acontecia também no castelo onde Sir Gawayne agora vivia. O
senhor e a velha esposa antiga sentavam-se juntos, e Sir Gawayne
sentava-se ao lado da esposa de seu hospedeiro. Seria fatigante demais
contar todos os banquetes, regozijos e alegrias que abundavam por
toda a parte. Trombetas e trompas desatavam suas notas prazerosas, e
grande foi o júbilo durante três dias.
O dia de São João era o último das festas de Natal, e no dia
seguinte muitos dos cavaleiros despediram-se do castelo. Seu dono
agradeceu a Sir Gawayne a honra e o prazer de sua visita, e
empenhou-se para mantê-lo em sua corte. Queria saber, também, o que
levara Sir Gawayne a sair da Corte do Rei Artur antes do fim dos
feriados de Natal.
Sir Gawayne replicou qTfe fora "uma grande e muito alta missão" que
o forçara a deixar a Corte. Depois, perguntou ao seu hospedeiro se já
ouvira falar na Capela Verde. Porque precisava estar ali na véspera
do Ano Novo, e antes preferia morrer do que falhar na sua missão. O
príncipe disse a Sir Gawayne que lhe ensinaria o caminho e que a
Capela Verde não ficava a mais de duas milhas do castelo. Então,
Gawayne ficou alegre, e consentiu em retardar-se um pouco mais no
castelo, o que causou regozijo também ao senhor castelão, que mandou
chamar as senhoras para conversarem com seu hóspede. E pediu a Sir
Gawayne que lhe prometesse conservar-se em seu quarto na manhã
seguinte, pois devia sentir-se cansado depois, caso viajasse para tão
longe. Entretanto, o hospedeiro e outros homens do castelo deveriam
levantar-se muito cedo para se dirigirem à caça.
— Seja o que fôr — disse o hospedeiro — que eu consiga obter na
floresta, seu será, e o que quer que aconteça ser seu, em seu lar, eu
considerarei livremente como meu.
E, a título de penhor, deu um anel a Sir Gawayne, anel que êle não
devia entregar a ninguém — não! — mesmo quando fosse pedido três vezes
pela mais bela mulher existente sob o céu! Com tudo aquilo
concordou prazerosamente Sir Gawayne, e assim, bastante animadamente,
um contrato foi feito entre eles. Quando a noite chegou, cada qual
dirigiu-se cedo para seu quarto.
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